Last update: 14 Março 2016
Introdução
O desenvolvimento de tecnologias (medicamentos / tratamentos / dispositivos) depende fortemente da investigação, a recolha de informações ou dados para produzir novos conhecimentos. Isto é impulsionado pela necessidade de fornecer evidências para:
- autoridades regulamentares sobre a segurança e o potencial benefício (eficácia) de uma nova terapia e
- pagadores sobre a efetividade de uma nova terapia no mundo real, juntamente com informações sobre os custos e a utilização esperada da terapia.
A investigação que é utilizada no desenvolvimento de medicamentos ou em quaisquer outras disciplinas (como antropologia, sociologia, astronomia, química) pode ser classificada como “qualitativa”, ou “quantitativa”.
O que é a investigação quantitativa?
A investigação quantitativa, tal como o seu nome indica, preocupa-se em quantificar os resultados das observações. Os dados quantitativos são todos os dados que estão em forma numérica, tais como estatísticas, percentagens, etc. Um tipo de investigação quantitativa familiar para a maioria das pessoas é a estatística aplicada à população, onde as proporções de determinados tipos de pessoas (por exemplo, 30% do sexo feminino; 10% de desempregados, etc.) são utilizadas para ajudar os decisores políticos e outros a tomar decisões em relação às populações. As informações bioestatísticas (por exemplo, a prevalência, em termos percentuais, de ataques cardíacos) são utilizadas em medicina para ajudar os prestadores de cuidados clínicos e os administradores a tomar decisões sobre programas de saúde.
Os tipos comuns de investigação quantitativa no desenvolvimento de tecnologias da saúde são experiências, muitas vezes sob a forma de ensaios clínicos controlados, que têm como objetivo compreender os efeitos de uma nova tecnologia comparativamente a outros tratamentos ou (raramente) a nenhum tratamento. As características dos doentes são medidas e contadas assim como a dose e a frequência da nova terapia. Os doentes são observados e são recolhidos dados importantes como alterações em parâmetros mensuráveis da doença alvo (parâmetros de avaliação), possíveis efeitos secundários (acontecimentos adversos) e dados subjetivos como pontuações da dor. Presume-se que estas observações são um reflexo justo da realidade e são preditivas do futuro. Por exemplo, se um novo medicamento reduz os ataques cardíacos comparativamente a um comparador em experiências repetidas, é assumido que isso irá provavelmente acontecer em doentes similares com o mesmo tipo de medicamento na situação do mundo real (em oposição às condições mais controladas num ensaio clínico).
O que é a investigação qualitativa?
A contagem de eventos que ocorreram num determinado lugar e momento (investigação quantitativa) pode ajudar a compreender o que pode acontecer no futuro. No entanto, fornece muito pouca informação sobre sentimentos ou motivações. A investigação qualitativa pode fornecer mais informações sobre como um doente reage a um evento negativo (como um internamento no hospital) ou gere um novo regime de tratamento.
Por exemplo, a investigação quantitativa pode fornecer muito pouca informação sobre fatores tais como:
- valores ou encontros sociais ou culturais,
- relações doente-médico,
- estigma ou
- conflito em pontos de vista religiosos ou culturais.
Uma nova tecnologia contracetiva pode evitar a gravidez, mas pode não ser desejável em populações que têm fortes motivações culturais ou religiosas para ter filhos. Para compreender o quão desejável a tecnologia contracetiva é para os doentes e para a sociedade, deve ser estudada utilizando uma abordagem de investigação diferente. É aqui que a investigação qualitativa é valiosa.
A investigação qualitativa é importante porque dá uma compreensão mais aprofundada e defensável de como ou porquê uma população pode utilizar uma nova terapia, ou como se irão sentir ao utilizá-la. A investigação qualitativa é principalmente uma investigação exploratória: tem sido descrita como “uma abordagem sistemática, subjetiva para descrever experiências de vida e dar-lhes significado.“1
Este tipo de investigação é uma forma de compreender os motivos e motivações subjacentes e descobrir os pensamentos ou opiniões reais dos indivíduos. Também fornece opiniões sobre um problema ou ajuda a desenvolver ideias ou hipóteses para possível investigação quantitativa. Enquanto um doente pode pensar convictamente que os pagadores deverão permitir o acesso a um medicamento novo, os pagadores devem considerar o que a sociedade quer como um todo. É possível que as crenças, atitudes ou sentimentos desse doente não reflitam as crenças da sociedade.
Métodos quantitativos versus qualitativos versus mistos
As abordagens de investigação quantitativa e qualitativa podem complementar-se entre si e podem até mesmo parecer semelhantes. Por exemplo, a utilização de um questionário pode ser considerada como investigação qualitativa, mas na verdade pode ser quantitativa, dependendo de como a investigação é desenhada.
Se o investigador pedir aos entrevistados para responder com base numa escala (por exemplo, para dar uma resposta de 1 “discordo” até 5 “concordo plenamente”), esta é uma forma de investigação quantitativa. Se a resposta for aberta e os doentes não estiverem restringidos a uma escala ou escolha de respostas, a investigação é qualitativa. No entanto, tal como ilustrado no desenvolvimento de resultados reportados pelos doentes (PROs), as escalas e outras medidas de resultados fornecidas pelos investigadores são melhor desenvolvidas através de métodos qualitativos que envolvem doentes.
A investigação não tem que ser totalmente qualitativa ou quantitativa. Uma forma popular de investigação é denominada investigação de “métodos mistos”, na qual são utilizadas abordagens tanto qualitativas como quantitativas. Os investigadores combinam deliberadamente dados quantitativos e qualitativos, em vez de os analisar separadamente. Embora existam muitas definições do que constitui exatamente “métodos mistos”, uma definição popular descreve-os como uma abordagem ou metodologia que:
- Se foca em questões de investigação que transportam para compreensões contextuais da vida real, perspetivas multi-nível e influências culturais;
- Utilizam investigação quantitativa rigorosa que avalia a magnitude e a frequência dos constructos e investigação qualitativa rigorosa que explora o significado e a compreensão dos constructos;
- Utiliza vários métodos (tais como ensaios intervencionais e entrevistas aprofundadas);
- Integra ou combina intencionalmente estes métodos para desenhar os pontos fortes de cada um e
- Enquadra a investigação em posições filosóficas e teóricas.2
A Tabela 1 descreve as principais diferenças entre a quantitativa e a investigação qualitativa.
Investigação quantitativa | Investigação qualitativa |
---|---|
Considerada “ciência exata” | Considerada “ciência humana” |
Objetiva | Subjetiva |
Raciocínio dedutivo utilizado para sintetizar os dados | Raciocínio indutivo utilizado para sintetizar os dados |
Foco: Conciso e estreito | Foco: Complexo e amplo |
Testa a teoria | Desenvolve a teoria |
Base do conhecimento: Relações causa e efeito | Base do conhecimento: Significado, contexto |
Elemento básico da análise: Medidas e análise estatística | Elemento básico da análise: Palavras, narrativa |
Realidade única que pode ser medida e generalizada | Múltiplas realidades que estão continuamente em alteração com interpretações individuais |
Adaptado de Keeler (2010)1 |
Métodos qualitativos
Os métodos qualitativos de recolha de dados variam entre técnicas não estruturadas ou semi-estruturadas. Alguns métodos comuns incluem grupos de foco (grupos de discussão), entrevistas individuais e participação/observações. O tamanho da amostra é normalmente pequeno, e os entrevistados são selecionados para cumprir o número definido. As interações entre os investigadores e os participantes da investigação estão no cerne dos métodos de investigação qualitativa. A compreensão que vem de “significado”, “porquê” ou “como” não vem do comportamento observado, mas do que está a ser dito e feito pelos participantes, ou o que está a ser sentido pelo investigador. Os investigadores qualitativos também podem recolher dados de documentos ou outras fontes escritas. Além de reunir dados que refletem pensamentos e expressões, a investigação qualitativa foi definida como tendo características diferentes das da investigação quantitativa. Por exemplo, o que for aprendido hoje num grupo específico pode não ser generalizado ou pode mudar ao longo do tempo.
As diferenças entre a importância relativa percebida das características e princípios da investigação qualitativa, assim como a finalidade primordial para a realização da investigação tem levado a diferentes tipos gerais de investigação qualitativa. Isto é semelhante à investigação quantitativa, onde foram desenvolvidos ensaios experimentais (tais como ensaios clínicos controlados) e ensaios não-experimentais (tais como estudos observacionais) para fins exclusivos.
Para além dos efeitos clínicos: A investigação qualitativa para a tomada de decisões e HTA
Os processos de HTA tentam fornecer aos responsáveis pela tomada de decisões as melhores informações possíveis (precisas e abrangentes). De modo a fornecer informações precisas e abrangentes, a utilização de síntese (tais como meta-análises, meta-análises em rede, modelagem) e apreciação crítica (tais como listas de verificação da qualidade) predomina na investigação quantitativa em processos de HTA. Foram desenvolvidas abordagens semelhantes para sintetizar a investigação qualitativa. Estas tentam elaborar conclusões a partir da investigação qualitativa, utilizando uma abordagem que é orientada de forma semelhante a uma investigação quantitativa, permitindo assim que os dados qualitativos sejam avaliados juntamente com a investigação quantitativa no processo de HTA.
Como é que os métodos qualitativos se encaixam nos processos de HTA?
A investigação qualitativa pode fornecer fortes evidências sobre as necessidades e pontos de vista dos doentes e ajudar os responsáveis pela tomada de decisões e os responsáveis pelo desenvolvimento de medicamentos a compreender essas necessidades e pontos de vista. Também pode ser utilizada para orientar decisões sociais maiores sobre como alocar recursos limitados disponíveis. Algumas perguntas que são importantes para a tomada de decisões no que respeita à investigação e às comparticipações podem ilustrar isto:
- Devemos valorizar mais os cuidados para os doentes muito doentes ou muito idosos do que para os outros doentes?
- Como devemos valorizar as tecnologias que diminuem as interações com os médicos e prestadores de cuidados?
- Existem razões que ajudam a explicar a utilização subótima de medicamentos na prática?
A investigação quantitativa pode ajudar a compreender:
- Quantas pessoas são afetadas por uma doença
- Qual é o encargo económico de uma doença
- Quantas pessoas podem beneficiar de um medicamento específico
- Qual é o valor do benefício
- Quantas vezes o medicamento pode ser utilizado assim que o acesso a ele é dado
Estes são todos aspetos importantes a ter em consideração durante a tomada de decisões.
A lista abaixo apresenta alguns exemplos nos quais a investigação qualitativa pode ser importante.
Desenvolvimento de medicamentos
- Que doenças são importantes abordar
- Qual é a necessidade de novos medicamentos
- Quais os resultados importantes
- O desenvolvimento de medidas de Resultados Reportados pelos Doentes (PROMs) e de medidas de Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QVRS) adequadas
Comparticipação e tomada de decisões
- Fornecer contribuições robustas dos doentes
- Determinar a necessidade do medicamento atual
- Identificar possíveis problemas com alternativas
- Ter em consideração valores sociais para orientar a tomada de decisões
Implementação e impacto
- Avaliar as razões para adesão subótima
- Como as experiências dos doentes podem ser otimizadas
- Determinar outros fatores a ter em consideração
Referências
- Keeler, R. (2010). Nursing research and evidence-based practice: Ten steps to success. Sudbury, MA: Jones & Bartlett Learning, p. 276.
- Creswell, J.W., Klassen, A.C., Plano Clark, V.L., & Smith, K.C. for the Office of Behavioural and Social Sciences Research (2011). Best practices for mixed methods research in the health sciences. National Institutes of Health. Retrieved 12 February, 2016, from https://obssr-archive.od.nih.gov/mixed_methods_research/
A2-6.08-v1.1