Investigação quantitativa e qualitativa no apoio da HTA

Introdução

O desenvolvimento de tecnologias (medicamentos / tratamentos / dispositivos) depende fortemente da investigação, a recolha de informações ou dados para produzir novos conhecimentos. Isto é impulsionado pela necessidade de fornecer evidências para:

  • autoridades regulamentares sobre a segurança e o potencial benefício (eficácia) de uma nova terapia e
  • pagadores sobre a efetividade de uma nova terapia no mundo real, juntamente com informações sobre os custos e a utilização esperada da terapia.

A investigação que é utilizada no desenvolvimento de medicamentos ou em quaisquer outras disciplinas (como antropologia, sociologia, astronomia, química) pode ser classificada como “qualitativa”, ou “quantitativa”.

O que é a investigação quantitativa?

A investigação quantitativa, tal como o seu nome indica, preocupa-se em quantificar os resultados das observações. Os dados quantitativos são todos os dados que estão em forma numérica, tais como estatísticas, percentagens, etc. Um tipo de investigação quantitativa familiar para a maioria das pessoas é a estatística aplicada à população, onde as proporções de determinados tipos de pessoas (por exemplo, 30% do sexo feminino; 10% de desempregados, etc.) são utilizadas para ajudar os decisores políticos e outros a tomar decisões em relação às populações. As informações bioestatísticas (por exemplo, a prevalência, em termos percentuais, de ataques cardíacos) são utilizadas em medicina para ajudar os prestadores de cuidados clínicos e os administradores a tomar decisões sobre programas de saúde.

Os tipos comuns de investigação quantitativa no desenvolvimento de tecnologias da saúde são experiências, muitas vezes sob a forma de ensaios clínicos controlados, que têm como objetivo compreender os efeitos de uma nova tecnologia comparativamente a outros tratamentos ou (raramente) a nenhum tratamento. As características dos doentes são medidas e contadas assim como a dose e a frequência da nova terapia. Os doentes são observados e são recolhidos dados importantes como alterações em parâmetros mensuráveis da doença alvo (parâmetros de avaliação), possíveis efeitos secundários (acontecimentos adversos) e dados subjetivos como pontuações da dor. Presume-se que estas observações são um reflexo justo da realidade e são preditivas do futuro. Por exemplo, se um novo medicamento reduz os ataques cardíacos comparativamente a um comparador em experiências repetidas, é assumido que isso irá provavelmente acontecer em doentes similares com o mesmo tipo de medicamento na situação do mundo real (em oposição às condições mais controladas num ensaio clínico).

O que é a investigação qualitativa?

A contagem de eventos que ocorreram num determinado lugar e momento (investigação quantitativa) pode ajudar a compreender o que pode acontecer no futuro. No entanto, fornece muito pouca informação sobre sentimentos ou motivações. A investigação qualitativa pode fornecer mais informações sobre como um doente reage a um evento negativo (como um internamento no hospital) ou gere um novo regime de tratamento.

Por exemplo, a investigação quantitativa pode fornecer muito pouca informação sobre fatores tais como:

  • valores ou encontros sociais ou culturais,
  • relações doente-médico,
  • estigma ou
  • conflito em pontos de vista religiosos ou culturais.

Uma nova tecnologia contracetiva pode evitar a gravidez, mas pode não ser desejável em populações que têm fortes motivações culturais ou religiosas para ter filhos. Para compreender o quão desejável a tecnologia contracetiva é para os doentes e para a sociedade, deve ser estudada utilizando uma abordagem de investigação diferente. É aqui que a investigação qualitativa é valiosa.

A investigação qualitativa é importante porque dá uma compreensão mais aprofundada e defensável de como ou porquê uma população pode utilizar uma nova terapia, ou como se irão sentir ao utilizá-la. A investigação qualitativa é principalmente uma investigação exploratória: tem sido descrita como “uma abordagem sistemática, subjetiva para descrever experiências de vida e dar-lhes significado.“1

Este tipo de investigação é uma forma de compreender os motivos e motivações subjacentes e descobrir os pensamentos ou opiniões reais dos indivíduos. Também fornece opiniões sobre um problema ou ajuda a desenvolver ideias ou hipóteses para possível investigação quantitativa. Enquanto um doente pode pensar convictamente que os pagadores deverão permitir o acesso a um medicamento novo, os pagadores devem considerar o que a sociedade quer como um todo. É possível que as crenças, atitudes ou sentimentos desse doente não reflitam as crenças da sociedade.

Métodos quantitativos versus qualitativos versus mistos

As abordagens de investigação quantitativa e qualitativa podem complementar-se entre si e podem até mesmo parecer semelhantes. Por exemplo, a utilização de um questionário pode ser considerada como investigação qualitativa, mas na verdade pode ser quantitativa, dependendo de como a investigação é desenhada.

Se o investigador pedir aos entrevistados para responder com base numa escala (por exemplo, para dar uma resposta de 1 “discordo” até 5 “concordo plenamente”), esta é uma forma de investigação quantitativa. Se a resposta for aberta e os doentes não estiverem restringidos a uma escala ou escolha de respostas, a investigação é qualitativa. No entanto, tal como ilustrado no desenvolvimento de resultados reportados pelos doentes (PROs), as escalas e outras medidas de resultados fornecidas pelos investigadores são melhor desenvolvidas através de métodos qualitativos que envolvem doentes.

A investigação não tem que ser totalmente qualitativa ou quantitativa. Uma forma popular de investigação é denominada investigação de “métodos mistos”, na qual são utilizadas abordagens tanto qualitativas como quantitativas. Os investigadores combinam deliberadamente dados quantitativos e qualitativos, em vez de os analisar separadamente. Embora existam muitas definições do que constitui exatamente “métodos mistos”, uma definição popular descreve-os como uma abordagem ou metodologia que:

  • Se foca em questões de investigação que transportam para compreensões contextuais da vida real, perspetivas multi-nível e influências culturais;
  • Utilizam investigação quantitativa rigorosa que avalia a magnitude e a frequência dos constructos e investigação qualitativa rigorosa que explora o significado e a compreensão dos constructos;
  • Utiliza vários métodos (tais como ensaios intervencionais e entrevistas aprofundadas);
  • Integra ou combina intencionalmente estes métodos para desenhar os pontos fortes de cada um e
  • Enquadra a investigação em posições filosóficas e teóricas.2

A Tabela 1 descreve as principais diferenças entre a quantitativa e a investigação qualitativa.

Tabela 1: Características da investigação quantitativa e qualitativa
Investigação quantitativa Investigação qualitativa
Considerada “ciência exata” Considerada “ciência humana”
Objetiva Subjetiva
Raciocínio dedutivo utilizado para sintetizar os dados Raciocínio indutivo utilizado para sintetizar os dados
Foco: Conciso e estreito Foco: Complexo e amplo
Testa a teoria Desenvolve a teoria
Base do conhecimento: Relações causa e efeito Base do conhecimento: Significado, contexto
Elemento básico da análise: Medidas e análise estatística Elemento básico da análise: Palavras, narrativa
Realidade única que pode ser medida e generalizada Múltiplas realidades que estão continuamente em alteração com interpretações individuais
Adaptado de Keeler (2010)1

Métodos qualitativos

Os métodos qualitativos de recolha de dados variam entre técnicas não estruturadas ou semi-estruturadas. Alguns métodos comuns incluem grupos de foco (grupos de discussão), entrevistas individuais e participação/observações. O tamanho da amostra é normalmente pequeno, e os entrevistados são selecionados para cumprir o número definido. As interações entre os investigadores e os participantes da investigação estão no cerne dos métodos de investigação qualitativa. A compreensão que vem de “significado”, “porquê” ou “como” não vem do comportamento observado, mas do que está a ser dito e feito pelos participantes, ou o que está a ser sentido pelo investigador. Os investigadores qualitativos também podem recolher dados de documentos ou outras fontes escritas. Além de reunir dados que refletem pensamentos e expressões, a investigação qualitativa foi definida como tendo características diferentes das da investigação quantitativa. Por exemplo, o que for aprendido hoje num grupo específico pode não ser generalizado ou pode mudar ao longo do tempo.

As diferenças entre a importância relativa percebida das características e princípios da investigação qualitativa, assim como a finalidade primordial para a realização da investigação tem levado a diferentes tipos gerais de investigação qualitativa. Isto é semelhante à investigação quantitativa, onde foram desenvolvidos ensaios experimentais (tais como ensaios clínicos controlados) e ensaios não-experimentais (tais como estudos observacionais) para fins exclusivos.

Para além dos efeitos clínicos: A investigação qualitativa para a tomada de decisões e HTA

Os processos de HTA tentam fornecer aos responsáveis pela tomada de decisões as melhores informações possíveis (precisas e abrangentes). De modo a fornecer informações precisas e abrangentes, a utilização de síntese (tais como meta-análises, meta-análises em rede, modelagem) e apreciação crítica (tais como listas de verificação da qualidade) predomina na investigação quantitativa em processos de HTA. Foram desenvolvidas abordagens semelhantes para sintetizar a investigação qualitativa. Estas tentam elaborar conclusões a partir da investigação qualitativa, utilizando uma abordagem que é orientada de forma semelhante a uma investigação quantitativa, permitindo assim que os dados qualitativos sejam avaliados juntamente com a investigação quantitativa no processo de HTA.

Como é que os métodos qualitativos se encaixam nos processos de HTA?

A investigação qualitativa pode fornecer fortes evidências sobre as necessidades e pontos de vista dos doentes e ajudar os responsáveis pela tomada de decisões e os responsáveis pelo desenvolvimento de medicamentos a compreender essas necessidades e pontos de vista. Também pode ser utilizada para orientar decisões sociais maiores sobre como alocar recursos limitados disponíveis. Algumas perguntas que são importantes para a tomada de decisões no que respeita à investigação e às comparticipações podem ilustrar isto:

  • Devemos valorizar mais os cuidados para os doentes muito doentes ou muito idosos do que para os outros doentes?
  • Como devemos valorizar as tecnologias que diminuem as interações com os médicos e prestadores de cuidados?
  • Existem razões que ajudam a explicar a utilização subótima de medicamentos na prática?

A investigação quantitativa pode ajudar a compreender:

  • Quantas pessoas são afetadas por uma doença
  • Qual é o encargo económico de uma doença
  • Quantas pessoas podem beneficiar de um medicamento específico
  • Qual é o valor do benefício
  • Quantas vezes o medicamento pode ser utilizado assim que o acesso a ele é dado

Estes são todos aspetos importantes a ter em consideração durante a tomada de decisões.

A lista abaixo apresenta alguns exemplos nos quais a investigação qualitativa pode ser importante.

Desenvolvimento de medicamentos

  • Que doenças são importantes abordar
  • Qual é a necessidade de novos medicamentos
  • Quais os resultados importantes
  • O desenvolvimento de medidas de Resultados Reportados pelos Doentes (PROMs) e de medidas de Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QVRS) adequadas

Comparticipação e tomada de decisões

  • Fornecer contribuições robustas dos doentes
  • Determinar a necessidade do medicamento atual
  • Identificar possíveis problemas com alternativas
  • Ter em consideração valores sociais para orientar a tomada de decisões

Implementação e impacto

  • Avaliar as razões para adesão subótima
  • Como as experiências dos doentes podem ser otimizadas
  • Determinar outros fatores a ter em consideração

Referências

  1. Keeler, R. (2010). Nursing research and evidence-based practice: Ten steps to success. Sudbury, MA: Jones & Bartlett Learning, p. 276.
  2. Creswell, J.W., Klassen, A.C., Plano Clark, V.L., & Smith, K.C. for the Office of Behavioural and Social Sciences Research (2011). Best practices for mixed methods research in the health sciences. National Institutes of Health. Retrieved 12 February, 2016, from https://obssr-archive.od.nih.gov/mixed_methods_research/

A2-6.08-v1.1