Last update: 7 Março 2016
Introdução
A tomada de decisão num sistema de saúde, que seja informada pela ATS, não é diferente de qualquer outro tipo de tomada de decisão em saúde que afete diretamente os doentes. Os sistemas de saúde que funcionam numa democracia liberal geralmente esforçam-se para garantir que as pessoas têm a capacidade de alcançar os seus objetivos em termos de saúde. Normalmente, os objetivos de um sistema de saúde são:
- adequação e equidade no acesso,
- proteção dos cidadãos contra impactos financeiros prejudiciais associados ao pagamento dos serviços de saúde,
- liberdade de escolha dos doentes,
- adequada autonomia (independência) para os prestadores e
- responsabilidade fiscal.
Princípios éticos na tomada de decisão dos sistemas de saúde
Os objetivos acima descritos refletem os princípios éticos subjacentes comuns a muitos sistemas de saúde. Quatro princípios éticos, em particular, são geralmente especificados na tomada de decisão dos sistemas de saúde:
- Respeito pela autonomia: Reconhecimento dos direitos dos indivíduos para fazer escolhas informadas e independentes sobre cuidados de saúde, promoção da saúde e proteção da saúde. Tal leva ao conceito de “escolha do doente”. O princípio ético do respeito pela autonomia não pode, no entanto, ser aplicado universalmente ou independentemente de outros valores sociais.
- Não maleficência (“não fazer mal”): A obrigação de não causar dano (físico ou psicológico). Uma vez que qualquer tratamento ou intervenção pode potencialmente ter consequências adversas, pode ser necessário equilibrar os benefícios e os danos (riscos) no momento de decidir se uma intervenção é apropriada.
- Beneficência (“fazer bem”): A obrigação de beneficiar os indivíduos está intimamente relacionada com a não-maleficência. Como nenhuma intervenção clínica ou de saúde pública é sempre benéfica para todos, é o equilíbrio entre os benefícios e os danos que é geralmente mais relevante.
- Justiça: A prestação de serviços de forma justa e adequada. Este é um problema específico no domínio dos cuidados de saúde devido ao inevitável desequilíbrio entre a procura e os recursos. Existem dois modelos de justiça que se relacionam com a alocação justa e adequada dos recursos (chamada justiça distributiva), embora não exista atualmente nenhum consenso sobre qual destes dois modelos é melhor para a tomada de decisão.
- Utilitarismo procura maximizar a quantidade de bem que pode ser desfrutado pela comunidade como um todo. O utilitarismo é uma doutrina moral que assume que a maior felicidade do maior número de pessoas deve ser o princípio orientador da conduta. Neste sistema, é possível que os interesses minoritários possam ser substituídos pelos maioritários. Também é possível que fatores como a idade, responsabilidade pessoal e urgência da necessidade sejam negligenciados.
- Igualitarismo é uma doutrina moral que afirma a igualdade de todos Sugere que cada indivíduo tem direito à sua parte justa dos recursos de saúde. Uma vez que a maioria dos medicamentos são prescritos por prestadores que atuam sob regras e regulamentos, as recomendações da ATS estão muitas vezes mais preocupadas com questões de justiça e autonomia (embora a beneficência e a não-maleficência não sejam de forma alguma ignoradas). Em particular, aqueles que fazem recomendações e tomam decisões de saúde devem considerar qual o equilíbrio “justo e adequado” da utilização da tecnologia de saúde, tendo em consideração as restrições de recursos.
Tomada de decisões: Quem, como e porquê?
A compreensão dos princípios éticos subjacentes e das recomendações para a tomada de decisões não nos diz como podemos incorporar estes princípios no processo de tomada de decisão.
Ao realizar uma apreciação de uma tecnologia, para a qual os valores sociais e os princípios éticos são tidos em consideração para a emissão de uma recomendação, os melhores sistemas de saúde pretendem utilizar uma abordagem que os englobe na maior medida possível. As regras que regem os processos que possam ter implicações de grande alcance na sociedade são, como tal, necessárias, se não uma exigência absoluta. Abrangem direitos processuais, que incluem:
- o direito a participar,
- o direito a um processo justo e responsável E
- o direito à informação.
Estes direitos são a seguir explorados mais detalhadamente.
Direito a participar: Envolvimento das partes interessadas
Na governação dos sistemas de saúde, o envolvimento das partes interessadas tem quatro funções principais:
- melhorar a qualidade da informação relativa aos valores, necessidades e preferências da população;
- incentivar o debate público sobre o sentido fundamental do sistema de saúde
- garantir a responsabilidade pública para os processos no âmbito do sistema e deste resultantes; e
- proteger o interesse público.1
Os processos que tentam auxiliar decisões devem ter em consideração a forma como as diferentes partes interessadas podem ser envolvidas no processo para garantir a legitimidade da decisão. Os processos de tomada de decisão são, muitas vezes, supervisionados por um comité de tomada de decisão, que inclui indivíduos de diferentes áreas de especialização. A composição dos membros de um Comité de tomada de decisão pode ser restringida pelo possível impacto das decisões, os recursos disponíveis para apoiar o Comité ou o tipo de avaliação de tecnologia que está a ser realizada. Ocorre frequentemente uma discussão sobre quem deve ser envolvido no Comité de tomada de decisão e os potenciais conflitos de interesse que podem ter. Uma vez que todas as pessoas dentro de um determinado sistema de saúde são afetadas pelas decisões sobre o pagamento e utilização das tecnologias, é necessária uma abordagem justa das recomendações que considere o maior número de pontos de vista possível.
Parte interessada | Vantagens/desvantagens |
---|---|
Doente | Os doentes podem esclarecer sobre o que é ter a doença, mas um doente individual pode representar desproporcionalmente as necessidades da sua comunidade de doentes face a sociedade em geral. |
Cidadão | Um cidadão pode ter uma visão imparcial, mas pode não ter conhecimento sobre questões ou problemas técnicos ou médicos específicos. |
Perito médico | Um perito médico pode fornecer uma visão clínica, mas pode favorecer desproporcionalmente o tratamento dos doentes independentemente do custo. |
Analista de tecnologia | Os analistas podem fornecer uma visão sobre as complexidades da avaliação, mas pode ser-lhes difícil questionar a validade das conclusões, especialmente se tiverem sido estes a efetuar a análise. |
Produtor da tecnologia | Um produtor de tecnologia (por exemplo, uma empresa farmacêutica) pode fornecer uma visão singular sobre os pontos fortes e os pontos fracos das novas tecnologias, mas terão um forte interesse competitivo se a tecnologia em questão não for da sua empresa ou se for de um concorrente direto. |
Em outros casos, as recomendações preliminares de um comité podem ser submetidas a uma revisão pública mais abrangente ou requerer comentários escritos formais das partes interessadas. Esta é outra forma de aumentar o envolvimento. Alguns têm utilizado júris de cidadãos, painéis que pretendem refletir pontos de vista da sociedade, como uma contribuição nos processos de apreciação da tecnologia.2
Todas estas abordagens devem ser cuidadosamente geridas de modo a evitar a influência indevida de qualquer grupo em particular. Tal como acontece em qualquer forma de governação política, haverá uma maior perceção de equidade se forem aplicadas restrições sobre quem pode participar na tomada de decisão, como são escolhidas e durante quanto tempo são aplicadas.
Direito a um processo justo e responsável
O processo de chegar a uma recomendação também deve refletir os princípios subjacentes da justiça – neste caso, a justiça processual.
Existem três princípios-chave de um quadro de “responsabilização pela razoabilidade” (processo justo):
- Transparência sobre as justificações para as decisões. Para a ATS tal pode significar elaborar um documento resumo das razões de uma recomendação.
- Racional para os recursos que todos possam aceitar como relevante para satisfazer as necessidades de saúde de forma justa. Para a ATS, isto pode significar ter um projeto confidencial disponível para comentários ou permitir o recurso assim que seja emitida uma recomendação.
- Procedimentos para revisão das decisões com base nos seus desafios. Para a ATS isto pode significar mudar as recomendações assim que as preocupações das partes interessadas tiverem sido ouvidas e tidas em consideração.
Direito à informação
Outra boa prática para criar recomendações é permitir que as pessoas vejam a informação mesmo que tenham decidido não participar no processo. Atualmente, muitos organismos de ATS tornam os relatórios que levaram às suas recomendações amplamente disponíveis na Internet e esforçam-se cada vez mais para explicar por que é que fizeram as recomendações. No entanto, este nem sempre é o caso, e em alguns países, a utilização da ATS ocorre ainda “à porta fechada”, com pouca transparência ou possibilidade de amplo envolvimento das partes interessadas.
Conclusão
Assim que um organismo de ATS é estabelecido, torna-se parte de um processo político de maior dimensão que, idealmente, deverá ser considerado com justiça e responsabilidade. Isso significa que as recomendações apresentadas e a forma como estas são feitas devem ser claras para todos, e deve haver o direito a recurso em relação às mesmas.
Além do relatório da OMS que classifica o desempenho dos sistemas de saúde, existem vários outros recursos de informação importantes para ajudar a comparar os sistemas de saúde e a analisar os indicadores-chave:
- A International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR) criou a ‘Global Health Care Systems Road Map’, que descreve os processos para a adoção de medicamentos e tecnologia médica em vários países (http://www.ispor.org/HTARoadMaps/Default.asp)
- O Gabinete Regional da OMS para a Europa (OMS/Europa) tem um Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde (European Observatory on Health Systems and Policies) que pode ser útil para analisar indicadores e fazer comparações (http://www.euro.who.int/en/about-us/partners/observatory)
- A página eletrónica da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD)) embora a informação nesta página requeira alguma pesquisa e poderá não estar disponível gratuitamente (http://www.oecd.org/els/health-systems/)
Outros recursos
- International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR) ‘Global Health Care Systems Road Map’. Retrieved 11 February, 2016, from http://www.ispor.org/HTARoadMaps/Default.asp
- WHO Regional Office for Europe (WHO/Europe) European Observatory on Health Systems and Policies. Retrieved 11 February, 2016, from http://www.euro.who.int/en/about-us/partners/observatory
- The Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) Health Policies and data. Retrieved 11 February, 2016, from http://www.oecd.org/els/health-systems/
- World Health Organisation (2000). The World Health Report 2000. Health Systems: Improving Performance. Geneva: World Health Organisation. Retrieved 11 February, 2016, from http://www.who.int/whr/2000/en/
- Health Equality Europe (2008). ‘Understanding Health Technology Assessment’. Retrieved 11 February, 2016, from http://img.eurordis.org/newsletter/pdf/nov-2010/58-1%20HEE%20Guide%20To%20HTA%20for%20Patients%20English.pdf
Referências
- Gauvin, F.P., Abelson, J., Giacommini, M., Eyles, J., Lavis, J.N. (2010). “It all depends”: Conceptualizing public involvement in the context of health technology assessment agencies. Social Science & Medicine (70), 1518-1526.
- Street, J., Duszynski, K., Krawczyk, S., Braunack-Mayer, A. (2014). ‘The use of citizens’ juries in health policy decision-making: A systematic review.’ Social Science & Medicine (109), 1-9. Retrieved 11 February, 2016, from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S027795361400166X
A2-6.01.3-v1.1