Medicina baseada na evidência

Introdução

A Lisa tem uma dor grave após a cirurgia. O médico tem que escolher entre comprimidos, de acordo com a evidência clínica externa e uma injeção de acordo com a experiência clínica do pessoal e as preferências dos doentes. O médico sabe que, de acordo com a evidência clínica externa, os comprimidos de morfina seriam a melhor opção. No entanto, um efeito secundário comum da anestesia administrada à Lisa durante a cirurgia são vómitos. Isto significa que se Lisa tomar um comprimido e começar a vomitar, o comprimido irá sair e ela não terá nenhum efeito de alívio da dor. O médico e a Lisa sabem pela experiência que é provável que a Lisa comece a vomitar no período de 30 minutos após o fim da anestesia. Como tal, o médico decide dar à Lisa uma injeção com morfina.

No exemplo, o médico decide, com base na experiência clínica pessoal e nas preferências dos doentes, utilizar uma injeção de morfina em vez de comprimidos com morfina, os quais têm a melhor evidência clínica externa. O médico utiliza o mesmo fármaco (ou seja, morfina), como sugerido na evidência clínica externa, mas opta por utilizar uma formulação diferente (ou seja, injeção em vez de comprimido).

Este é um exemplo de como um médico chega a uma decisão de tratamento específica com base em evidências, após uma conversa com o doente.

O que é a medicina baseada na evidência?

A medicina baseada na evidência (MBE) é o processo de analisar, avaliar e utilizar sistematicamente os resultados da investigação clínica para ajudar a fornecer os melhores cuidados clínicos aos doentes. O conhecimento dos doentes sobre a medicina baseada na evidência é importante porque lhes permite tomar decisões mais informadas sobre o controlo e tratamento da doença. Também dá aos doentes uma perceção mais exata do risco, incentiva à utilização adequada dos procedimentos eletivos e suporta a tomada de decisão baseada na evidência pelo médico/doente

A medicina baseada na evidência é uma combinação de princípios e métodos. Quando postos em ação, garantem que as decisões médicas, as orientações e as políticas, se baseiam na melhor evidência atual sobre os efeitos das diferentes formas de tratamento e dos cuidados de saúde em geral. No que diz respeito aos medicamentos, inspira-se fortemente na informação da avaliação risco-benefício (eficácia e segurança).

O conceito de medicina baseada na evidência surgiu na década de 1950. Antes disso, as decisões médicas baseavam-se principalmente na formação dos médicos, na experiência clínica e na leitura de revistas. No entanto, os estudos mostraram que as decisões de tratamento médico diferiam significativamente entre os profissionais de saúde. Formou-se a base para a implementação de métodos sistemáticos para recolher, avaliar e organizar dados da investigação, os quais levaram à medicina baseada na evidência. Desde a sua implementação, a medicina baseada na evidência tem sido reconhecida pelos médicos, empresas farmacêuticas, autoridades regulamentares e pelo público em geral.

O responsável pela tomada de decisões tem que analisar o conhecimento da sua própria experiência clínica, juntamente com a melhor evidência de estudos controlados e da investigação. Combinar a experiência clínica e os estudos controlados no processo de tomada de decisão é importante. Sem experiência clínica, os riscos relacionados a um determinado tratamento podem acabar causando efeitos indesejados.

Modelo de 5 passos da medicina baseada na evidência

Uma abordagem à medicina baseada na evidência baseia-se num modelo de 5 passos:

  1. Definir uma questão clinicamente relevante (o médico procura informações para encontrar o diagnóstico correto)
  2. Procurar a melhor evidência (o médico procura evidências para apoiar as conclusões do Passo 1)
  3. Avaliar a qualidade das evidências (o médico garante que a qualidade e a fiabilidade são altas)
  4. Atuar sobre as evidências para formar uma decisão clínica (baseada nos Passos de 1-3, o médico e o doente, em conjunto, tomam uma decisão de tratamento informada)
  5. Avaliar o processo (o médico e doente avaliam se o resultado pretendido é alcançado e ajustam as decisões de tratamento em conformidade, se necessário)

Tendo como referência o exemplo no início, a escolha do médico está em consonância com os princípios da medicina baseada na evidência, assim como o feedback do doente. A decisão do médico inclui a utilização consciente, explícita e judiciosa da melhor evidência atual, incluindo a experiência do doente, ao decidir como fornecer o melhor tratamento médico possível a um determinado doente.

O envolvimento dos doentes nos processos de tomada de decisão têm um papel importante a desempenhar na criação de novas diretrizes dos princípios de tratamento. Isso inclui a leitura, compreensão e ação na informação em saúde; trabalhando em conjunto com os médicos para avaliar e selecionar as opções de tratamento e fornecer feedback sobre os resultados. Os doentes podem ter um papel ativo em todos os níveis da evidência.

Avaliar a evidência para a medicina baseada na evidência

Para avaliar a qualidade das evidências, a informação recolhida é classificada de acordo com os diferentes níveis de evidência. A pirâmide na figura abaixo mostra os vários níveis de evidência e a sua respetiva classificação.

Pareceres editoriais e de peritos

Esta é a evidência baseada em pareceres de um painel de peritos com o objetivo moldar a prática médica comum.

Série de casos e relatos de casos

A série de casos são estudos descritivos que seguem um pequeno grupo de pessoas. Há adições ou suplementos dos relatos de casos. Um relato de caso é um relatório detalhado dos sintomas, sinais, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de um doente individual.

Estudo de caso-controlo

Um estudo de caso-controlo é um estudo observacional retrospetivo (analisa os dados históricos) que compara os doentes com uma doença com os doentes que não têm a doença. Os resultados como o cancro do pulmão são geralmente estudados através da utilização de estudos de caso-controlo. Um grupo de fumadores (o grupo exposto) e um grupo de não-fumadores (o grupo não exposto) são recrutados e seguidos ao longo do tempo. As diferenças na incidência de cancro do pulmão entre os grupos são documentadas, permitindo que a variável a ser avaliada (a "variável independente – neste caso, fumar), seja isolada como causa da "variável dependente" (neste caso, cancro do pulmão).

Neste exemplo, um aumento estatisticamente significativo da incidência de cancro do pulmão no grupo de fumadores comparativamente ao grupo de não-fumadores teria sido considerado como evidência a favor de assumir uma relação causal entre o tabagismo e o cancro do pulmão.

Estudo de coorte

A definição moderna de uma "coorte"' em estudos clínicos é um grupo de pessoas com características definidas que são seguidas de modo a determinar resultados relacionados com a saúde.

O estudo Framingham Heart é um exemplo da utilização de um estudo de coorte para responder uma questão epidemiológica. O estudo de Framingham foi iniciado em 1948 e ainda está em curso. O objetivo é estudar o impacto de vários fatores na incidência das doenças cardíacas. A pergunta que o estudo pretende responder é: Os fatores como a hipertensão arterial, tabagismo, peso corporal elevado, diabetes, exercício físico, etc., têm uma associação ao desenvolvimento de doença cardíaca? De modo a investigar cada exposição (por exemplo, o tabagismo), os investigadores recrutariam uma coorte de fumadores (o grupo exposto) e um grupo de não-fumadores (o grupo não exposto). As coortes seriam então seguidas durante um período de tempo. As diferenças na incidência de doenças cardíacas entre as coortes no final deste período de tempo são, em seguida, documentadas. As coortes são comparadas em termos de muitas outras variáveis, tais como:

  • Estatuto económico (por exemplo educação, rendimentos e ocupação)
  • Estado de saúde (por exemplo, a presença de outras doenças)

Isto significa que a variável a ser avaliada (a "variável independente – neste caso, fumar), seja isolada como causa da "variável dependente" (neste caso, doença cardíaca).

Neste exemplo, um aumento estatisticamente significativo da incidência de doenças cardíacas no grupo de fumadores comparativamente ao grupo de não-fumadores é evidência a favor de assumir uma relação causal entre o tabagismo e o desenvolvimento de doença cardíaca. As conclusões do estudo Framingham Heart, ao longo dos anos, forneceram evidências conclusivas de que as doenças cardiovasculares são em grande parte resultado de fatores de risco modificáveis e mensuráveis, e que os indivíduos podem controlar a sua saúde cardiovascular por: tratando cuidadosamente da sua dieta e estilo de vida e alterando a ingestão de gorduras saturadas, colesterol e tabagismo; perdendo peso ou tornando-se fisicamente ativos; e regulando os seus níveis de stress e pressão arterial. É principalmente devido ao estudo Framingham Heart, que atualmente temos uma boa compreensão da relação entre certos fatores de risco e a doença cardíaca.

Outro exemplo de um estudo de coorte que esteve em curso durante muitos anos é o National Child Development Study (DNT), o estudo de coorte de nascimentos Britânicos mais amplamente pesquisado. O maior estudo em mulheres é o Nurses Health Study. Este estudo foi iniciado em 1976 e acompanha mais de 120.000. Os dados deste estudo têm sido analisados para muitos condições e resultados diferentes.

Ensaio clínico aleatorizado

Um ensaio clínico aleatorizado é aquele que utiliza a aleatorização na atribuição de pessoas para diferentes braços do estudo. Isto significa que os grupos de tratamento são escolhidos ao acaso utilizando um sistema formal e cada participante tem uma probabilidade igual de ser selecionado para cada braço.

Meta-análise

Uma meta-análise é uma análise sistemática de dados baseada em estatística que contrasta e combina resultados de estudos diferentes mas relacionados, na tentativa de identificar padrões, discrepâncias e outras relações entre vários estudos. Uma meta-análise pode suportar uma conclusão mais forte do que qualquer estudo individual, mas pode ter falhas devido a viés de publicação.

Investigação dos resultados

A investigação dos resultados é um termo lato sem uma definição consistente. Em resumo, a investigação dos resultados estuda os resultados finais dos cuidados médicos, o efeito do processo de cuidados de saúde na a saúde e no bem-estar dos doentes. Por outras palavras, a investigação dos resultados clínicos tem como objetivo monitorizar, compreender e melhorar o impacto do tratamento médico num doente ou população específica. Tende a descrever a investigação que está preocupada com a efetividade das intervenções de saúde pública e dos serviços de saúde; ou seja, com os resultados destes serviços.

A atenção está frequentemente voltada para o indivíduo afetado, por outras palavras, os parâmetros de avaliação clínicos (resultados globais) mais relevantes para o doente ou população. Estes parâmetros de avaliação podem ser a qualidade de vida ou o nível de dor. No entanto, a investigação dos resultados podem focar-se também na eficácia da prestação dos cuidados de saúde, com medidas tais como a relação custo-eficácia, o estado de saúde e a carga da doença (o impacto do problema de saúde).

A diferença entre a MBE e a investigação de resultados é um dos focos: Enquanto o foco principal da MBE é fornecer os melhores cuidados ao doente de acordo com a evidência e a experiência clínica, o foco principal da investigação dos resultado são parâmetros de avaliação predefinidos. Na investigação dos resultados clínicos, estes parâmetros de avaliação são geralmente parâmetros de avaliação clinicamente relevantes.

Exemplos de parâmetros de avaliação relevantes de estudos de investigação dos resultados
Tipo de parâmetro de avaliação Exemplo
Medida fisiológica (biomarcador) Pressão arterial
Clínico Pressão no coração
Sintomas Tosse
Funcionais e cuidados Medição da função, por exemplo, capacidade de realizar tarefas da vida quotidiana, avaliações da qualidade de vida

Na investigação dos resultados, os parâmetros de avaliação relevantes são muitas vezes sintomas ou medidas funcionais e de cuidados, aspetos considerados importantes pelo doente a receber o tratamento. Por exemplo, um doente que sofre de uma infeção ao qual é administrada penicilina pode estar mais preocupado com já não ter febre e sentir-se melhor do que quando estava preocupado com o efeito da penicilina nos níveis reais de infeção. Neste caso, os seus sintomas e a forma como se sentia são considerados uma avaliação direta do seu estado de saúde, por outras palavras, os parâmetros de avaliação em que a investigação dos resultados se iria focar. Também é provável que o doente esteja interessado nos possíveis efeitos secundários associados à penicilina, assim como no custo do tratamento. Para outras doenças, como o cancro, um resultado clínico importante relevante para os doentes é o risco de morrer.

Quando a duração do estudo é longa, os estudos de investigação dos resultados podem incluir a utilização de "parâmetros de avaliação substitutos". Um parâmetro de avaliação substituto é quando um biomarcador é utilizado para medir um resultado. Atua como um substituto para um parâmetro de avaliação da eficácia clínica. Considere um estudo clínico onde o efeito do tratamento com penicilina é medido por uma diminuição na quantidade de uma proteína específica (chamada de "proteína C-reativa'), a qual está sempre presente no sangue. Numa pessoa saudável, a quantidade desta proteína no sangue é muito pequena, mas aumenta drasticamente após infeção aguda. Como tal, a medição dos níveis de proteína C-reativa, é uma forma indireta de medir a infeção no organismo. Neste caso, a proteína serve como um biomarcador de "infeção". Um biomarcador é um indicador mensurável do estado de uma doença. Em seguida, isto correlaciona-se com o risco ou progressão de uma doença, ou com a probabilidade da doença em responder a um determinado tratamento. Na prática diária, é recolhida uma amostra de sangue do doente e a quantidade do biomarcador no sangue é medida.

Deve sublinhar-se que para um parâmetro de avaliação substituto a ser utilizado para fins de regulamentares, o marcador deve ter sido confirmado ou validado anteriormente. Deve ser mostrado que as alterações no biomarcador se correlacionam (correspondem) com os resultados clínicos de uma doença específica e com o efeito do tratamento.

Outros recursos

A2-1.10-v1.3