Aprovação de Ensaios Clínicos na Europa

O que é um ensaio clínico?

A investigação clínica é uma parte importante do processo de adquirir melhor conhecimento e compreensão sobre a saúde e doença humana, assim como o desenvolvimento de terapias novas e eficazes para o tratamento destas doenças. Os ensaios clínicos representam um componente essencial da investigação médica baseada em evidências.

Os ensaios clínicos são estudos de investigação que envolvem pessoas (voluntários saudáveis ou doentes) que testam a segurança e a eficácia de um novo tratamento. Um “tratamento” neste contexto pode significar:

  • Um medicamento.
  • Um dispositivo médico, como um aparelho auditivo.
  • Um procedimento cirúrgico.
  • Um teste para diagnóstico de uma doença.

Um ensaio clínico pode também comparar se um novo tratamento é melhor do que as alternativas existentes. Independentemente do quão promissor um novo tratamento possa parecer durante os testes laboratoriais iniciais, os ensaios clínicos são necessários para provar e identificar os benefícios e riscos em seres humanos. “Melhor” neste contexto não significa necessariamente “com melhor eficácia”, mas pode também significar “menos efeitos secundários (Reações Adversas a Medicamentos, RAM)” ou “melhor manuseamento, menor impacto” e muito mais. Por vezes, isto é refletido em desenhos de ensaio clínicos que procuram a equivalência ou não inferioridade num tratamento existente.

os ensaios clínicos são desenhados por grupos de médicos, cientistas e outros especialistas. O desenho do ensaio baseia-se geralmente numa análise minuciosa da investigação existente e no reconhecimento de que determinadas questões sobre o tratamento, controlo dos sintomas ou efeitos secundários têm que ser respondidas. Para elaborar o melhor desenho de ensaio possível, as discussões envolvem a equipa médica, enfermeiros, doentes, especialistas em estatística e pessoal de apoio, assim como representantes de empresas ou de agências de financiamento. A fundamentação, o desenho e o plano do estudo estão contidos num documento conhecido como protocolo.

Como são os ensaios clínicos realizados?

Para a aprovação de um ensaio clínico, deve ser submetido um Pedido de Ensaio Clínico (CTA) aos órgãos regulamentares denominados autoridades competentes. Uma Comissão Ética de Investigação (CEI), também revê o protocolo e dá um parecer positivo ou negativo. Isto serve para verificar se a investigação respeite a dignidade, direitos, segurança e bem-estar das pessoas que estão a participar. De modo de garantir a conformidade com os padrões éticos, a maioria dos protocolos dos ensaios clínicos são desenvolvidos em consonância com a “Declaração de Helsínquia”, um conjunto de padrões éticos para investigação em seres humanos, material humano ou dados identificáveis, desenvolvido em 1964 pela World Medical Association (Associação Médica Mundial) (WMA) e revista várias vezes.

os ensaios clínicos com medicamentos são realizados na União Europeia (UE) em conformidade com regulamentos, diretivas e orientações. A norma com a qual os ensaios clínicos são realizados chama-se Boas Práticas Clínicas, conforme definido na orientação da International Conference on Harmonisation (Conferência Internacional sobre Harmonização) (ICH-GCP). Esta é uma norma de qualidade internacional que deve ser aplicada em todos os Estados-membros da UE e que descreve as responsabilidades e as expetativas de todos os participantes na realização de ensaios clínicos, incluindo investigadores, monitores, promotores e comissões de ética. As BPC abrangem aspetos de monitorização, comunicação e arquivamento de dados dos ensaios clínicos e incorporam suplementos dos Documentos Essenciais e da Brochura do Investigador que tinham sido acordados anteriormente através do processo ICH.

Quem realiza ensaios clínicos e porquê?

Normalmente, os ensaios clínicos envolvem vários intervenientes diferentes. É útil compreender quem está a liderar a criação e a realização de um ensaio e por que o está a fazer:

  • Um promotor é a entidade (geralmente uma empresa, universidade ou hospital) que assume a responsabilidade pela organização do ensaio e que, muitas vezes, o financia.
  • Um investigador (ou investigadores para ensaios multicêntricos), o médico responsável pela realização do ensaio.
  • Por vezes, o promotor irá envolver uma contract research organisation (CRO) para ajudar com a logística (organização) e a realização do ensaio.

Os promotores podem ser empresas ou instituições/agências financiadas pelo governo. Ambos podem realizar ensaios de modo a utilizar os dados recolhidos para suportar pedidos que irão permitir a promoção e comercialização de medicamentos para a(s) indicação(ões) aprovada(s).

Também podem realizar estudos nos melhores interesses da comunidade para compreender as doenças. Ocasionalmente, irão colaborar com outros parceiros para explorar um problema específico, talvez um que não seja de interesse comercial, mas que é do interesse dos doentes e do sistema de saúde.

História da legislação da investigação clínica na Europa

Tal como nos EUA, as catástrofes na Europa levaram, em vários casos, a alterações na legislação. O desastre da talidomida contribuiu para a publicação, em 1965, da primeira Diretiva Europeia, conhecida como 65/65/CEE, adotada pelo Conselho da Comunidade Económica Europeia. Afirmava que nenhum medicamento poderia ser colocado no mercado de um Estado-membro, a não ser que tivesse sido emitida uma autorização pela autoridade competente desse Estado-membro. Em suma, os fabricantes de medicamentos farmacêuticos tinham que obter a aprovação dos seus medicamentos de cada país antes de poderem começar a ser comercializados nesse país.

Em 1995, foi estabelecido o Sistema Europeu para a Autorização de Introdução no Mercado de Medicamentos, assim como a European Medicines Evaluation Agency (Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos) (EMEA). A avaliação de pedidos e a elaboração de orientações era realizadas através da incorporação do Committee for Proprietary Medicinal Products (Comité das Especialidades Farmacêuticas) (CPMP) e do Committee for Veterinary Medicinal Products (Comité dos Medicamentos para Uso Veterinário) (CVMP). O procedimento centralizado eliminou a necessidade de revisão de cada estado-membro, uma vez que é atribuída uma aprovação para cobrir todos os Estados-membros.

O procedimento de reconhecimento mútuo (PRM) e o procedimento descentralizado (PD) são utilizados para os medicamentos não autorizados pelo procedimento centralizado. São semelhantes ao procedimento anterior no qual o requerente vai diretamente para um Estado-membro único. Uma vez que o medicamento é aprovado por essa autoridade, o requerente tenta que outros Estados-membros reconheçam a aprovação e concedam a sua própria autorização de introdução no mercado (PRM) ou os estados-membros colaboram diretamente num pedido submetido (PD). Em 2004, o nome completo da Agência foi encurtado para a European Medicines Agency (Agência Europeia de Medicamentos) (EMA). O CPMP foi renomeado de Committee for Medicinal Products for Human Use (Comité dos Medicamentos para Uso Humano) (CHMP).

As orientação ICH-GCP define uma norma de qualidade harmonizada internacional que protege os direitos, segurança e bem-estar dos participantes humanos. Minimiza a exposição humana a medicamentos experimentais e melhora a qualidade dos dados, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos e de diminuir os custos para os promotores e para o público. A conformidade com esta orientação fornece garantias públicas de que os direitos, segurança e bem-estar dos participantes no ensaio estão protegidos e em consonância com os princípios da Declaração de Helsínquia. Também garante que os dados do ensaio clínico são credíveis.

Existem 13 princípios fundamentais da ICH-GCP, como citado abaixo:

  1. Os ensaios clínicos devem ser realizados em conformidade com os princípios éticos que têm origem na Declaração de Helsínquia, e que são consistentes com as BPC e com os requisitos regulamentares aplicáveis.
  2. Antes de um ensaio ser iniciado, os riscos e inconvenientes previsíveis devem ser ponderados contra o benefício esperado para a sociedade e para os sujeitos do ensaio. Um ensaio deve ser iniciado e continuado apenas se os benefícios esperados justificarem os riscos.
  3. Os direitos, a segurança e o bem-estar do sujeito do ensaio são as considerações mais importantes e devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade.
  4. As informações não clínicos e clínicas disponíveis sobre um medicamento experimental devem ser adequadas para suportar o ensaio clínico proposto.
  5. Um ensaio clínico deve ser cientificamente robusto e descrito num protocolo de forma clara e detalhada.
  6. Um ensaio deve ser realizado em conformidade com o protocolo que recebeu um aprovação/parecer favorável prévio de um Conselho de Revisão Institucional (CRI) / Comissão de Ética Independente (CEI) independente.
  7. Os cuidados médicos dados a, e as decisões médicas feitas em nome do sujeito devem ser sempre da responsabilidade de um médico qualificado ou, quando apropriado, de um dentista qualificado.
  8. Cada indivíduo envolvido na realização de um ensaio deve ser qualificado em termos de educação, formação e experiência para realizar as suas respetivas tarefas.
  9. Deve ser obtido livremente o consentimento informado de cada sujeito antes da sua participação no ensaio clínico.
  10. Todas as informações do ensaio clínico devem ser registadas, manuseadas e armazenadas de forma a permitir que seja reportada, interpretada e verificada com exatidão.
  11. A confidencialidade dos registos que possam identificar os sujeitos deve ser protegida, respeitando as regras de privacidade e confidencialidade em conformidade com os requisitos regulamentares aplicáveis.
  12. Os medicamentos experimentais devem ser fabricados, manuseados e armazenados em conformidade com as Boas Práticas de Fabrico (BPF). Devem ser utilizados em conformidade com o protocolo aprovado.
  13. Devem ser implementados sistemas com procedimentos que garantam a qualidade de todos os aspetos do ensaio.

Situação da atual legislação Europeia

Antes de 2001, cada Estado-membro da UE tinha os seus próprios regulamentos nacionais e sistemas de aprovação de ensaios clínicos, (por exemplo, Clinical Trials Act 1987 e 1990, na Irlanda). Isto aumentou a complexidade da investigação clínica multinacional na Europa, principalmente devido aos diferentes requisitos e mecanismos de aprovação entre os países. Numa tentativa de normalizar e harmonizar as aprovações de ensaio clínicas entre os Estados-membros, a Comissão Europeia introduziu a primeira Diretiva Europeia dos Ensaios Clínicos. Na Europa, a aprovação dos ensaios clínicos é concedida por uma autoridade regulamentar e requer o parecer favorável de uma Comissão Ética de Investigação (CEI). A Diretiva dos EC estabeleceu os requisitos mínimos para os ensaios clínicos com uma subcategoria específica de medicamentos chamada “medicamentos experimentais” (IMP). Isto tinha que ser implementado na legislação nacional de cada país europeu até maio de 2004.

Estes requisitos incluíam:

  • Proteção dos participantes em ensaios em conformidade com o indicado na Declaração de Helsínquia.
  • Aprovação pela autoridade regulamentar de cada Estado-membro, dentro de prazos específicos.
  • Um parecer de uma CEI única (por Estado-membro), dentro de prazos específicos.
  • Padrão de qualidade comum das BPC (ICH-GCP).

[glossary_exclude]Para saber mais sobre os requisitos de cada país, visite o site da Internet da EMA, onde pode encontrar uma lista das Autoridades Nacionais Competentes (ANC) dos estados-membros da UE: https://www.ema.europa.eu/en/partners-networks/eu-partners/eu-member-states/national-competent-authorities-human[/glossary_exclude]

A Diretiva dos ensaios clínicos foi substituída pelo Regulamento Europeu dos Ensaios Clínicos (Regulamento (UE) N.º 536/2014) será aplicada apenas depois de 28 de maio de 2016. O novo regulamento garante que as regras para a realização de ensaios clínicos são idênticas em toda a UE.

As principais características do novo regulamento são:

  • Um procedimento de pedido simplificado através de um único ponto de entrada, o portal da UE.
  • Um conjunto único de documentos a ser preparado e submetido para o pedido.
  • Um procedimento harmonizado para avaliação dos pedidos de ensaios clínicos.
  • Prazos estritamente definidos para a avaliação do pedido de ensaio clínico.
  • O envolvimento das comissões de ética no processo de avaliação em conformidade com a legislação nacional do Estado-membro em causa, mas dentro dos prazos globais definidos pelo Regulamento.
  • A extensão do princípio de acordo tácito para o a totalidade do processo de autorização, sem comprometer a segurança, dará aos promotores, em particular às PME e universidades, maior segurança jurídica.
  • Procedimentos de notificação simplificados que evitarão que os promotores submetam informações muito idênticas em separado a vários órgãos e diferentes Estados-membros.
  • Maior transparência no que se refere a ensaios clínicos e aos seus resultados.
  • Controlo nos Estados-membros e países terceiros, para garantir que as regras dos ensaios clínicos estão a ser adequadamente supervisionadas e executadas.

Os ensaios clínicos realizados fora da UE, mas referentes a um pedido de ensaio clínico na UE, terão que cumprir todos os requisitos regulamentares que são pelo menos equivalentes aos aplicáveis na União Europeia.